Um estudo realizado pelo Instituto de Geociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro constatou que a reposição de água no Aquífero Guarani está aquém do necessário para garantir a manutenção do volume disponível no reservatório, que se estende por áreas do Sul e Sudeste do Brasil, além do Paraguai, Uruguai e Argentina. Este reservatório atende a 90 milhões de pessoas e é responsável por manter o nível de rios e lagos em algumas regiões do interior paulista durante os períodos de seca.
Em uma entrevista para a Agência Brasil, o pesquisador Didier Gastmans, do Centro de Estudos Ambientais da Unesp Rio Claro, explicou que o estudo teve como objetivo compreender a importância da chuva na entrada de novas águas no aquífero, nas áreas de afloramento, e que foi confirmada essa contribuição. Desde 2002, em seu doutorado, ele tem acompanhado o assunto e todas as pesquisas desde então indicam que os efeitos da superexploração do reservatório são contínuos e têm piorado com a mudança da distribuição das chuvas na área de afloramento, que abastece o aquífero. Esta situação é preocupante em regiões de grande produção agrícola e densamente populadas, como Ribeirão Preto, no norte paulista, onde os primeiros impactos foram sentidos desde os anos 1990. Gastmans ressaltou que “agora está aumentando significativamente o número de poços e isso está começando a ser percebido em diversas regiões do interior”.
O geólogo destacou que os sinais de superexploração são evidentes no monitoramento dos poços e do nível dos reservatórios, afetando aqueles próximos às áreas de afloramento, que apresentam níveis de dois a três metros mais baixos, em média, e também os grandes poços de exploração para indústria e agronegócio, onde o rebaixamento atinge médias de 60 a 70 metros em dez anos. Essa situação demanda poços mais profundos e bombas mais potentes para a captação de água. Em certos pontos, a rebaixamento chega a até 100 metros, sendo significativo mesmo para as dimensões do Aquífero, que tem níveis de até 450 metros de espessura e profundidades de até 1 quilômetro. A maior parte do consumo de água do Guarani destina-se ao abastecimento urbano, sendo pelo menos 80% desse consumo concentrado no estado de São Paulo.
Uma das preocupações de curto prazo é que a chuva nas áreas de afloramento é muito concentrada, resultando em uma pequena parte da água infiltrando para o subsolo, enquanto ocorre mais escoamento e menos infiltração. Além disso, há o impacto do aumento da evaporação devido ao aumento da temperatura média nas regiões de superfície.
Gastmans criticou a falta de ações claras por parte das autoridades públicas, afirmando que a primeira ação necessária é identificar os usuários. Ele ressaltou a importância da implementação de um sistema de monitoramento em tempo real para compreender e dimensionar as demandas e políticas a curto e médio prazo. Além disso, ele mencionou a necessidade de integrar a água subterrânea e superficial conforme a disponibilidade sazonal, e pensar no planejamento futuro, considerando o impacto do desenvolvimento. O pesquisador destacou a importância de utilizar águas de melhor qualidade para o abastecimento público e águas de menor qualidade para outros fins, como irrigação em áreas extensas do setor sucroalcooleiro e cítrico, e uso industrial.
Em resposta à reportagem, a Agência de Águas do Estado de São Paulo (SP Águas) informou que monitora todos os estudos relacionados à recarga do Aquífero Guarani e outros corpos d’água do estado. Segundo o órgão, a gestão do aquífero é realizada de forma integrada com outros recursos hídricos, visando equilibrar as demandas de uso e a preservação ambiental. A maior parte da captação de água em São Paulo provém de fontes superficiais, como rios e lagos, sendo a captação em poços profundos, que acessam o Aquífero Guarani, a menor parcela dos recursos hídricos. Todas as captações de água no estado estão sujeitas a outorga, concedida somente após análise técnica criteriosa.
Origem das águas
O estudo realizado pela Unesp, com apoio da Fapesp, utilizou o monitoramento de isótopos estáveis de hidrogênio e oxigênio como marcadores para identificar a origem das águas no reservatório, permitindo identificar as áreas de superfície que contribuem para a manutenção dos níveis do Aquífero Guarani. Além disso, foi empregado um processo de datação com isótopos dos gases criptônio e hélio para datar a água de alguns poços, possibilitando detectar idades que variam de 2.600 anos em Pederneiras a 127 mil anos em Bebedouro, 230 mil anos em Ribeirão Preto e 720 mil anos no Paraná.
O estudo “How much rainwater contributes to a spring discharge in the Guarani Aquifer System: insights from stable isotopes and a mass balance model” pode ser acessado aqui.
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